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A onda: geração de treinadores de valor e o seu papel transformador

Tenho motivos para estar contente com o atual momento do futebol brasileiro. Nos últimos anos, conheci alguns treinadores promissores, que dão esperança de um futuro melhor para o desenvolvimento do esporte.

Embora o sistema organizacional seja retrógrado, existe uma “onda” de treinadores de valor. Não são somente apaixonados tentando correr atrás do “ganha pão”. Aqui ou fora do país, estão buscando conhecimento.

Meu otimismo não omite o fato de no futebol a maior parte das relações interpessoais e das decisões acontecerem “às sombras”. Quando as questões transcendem do nível de clubes e passam a figurar na política das federações estaduais e confederação, as falhas são ainda mais grotescas.

Mas desses sistemas, infelizmente, não temos muito controle. Já estava assim antes da nova geração de treinadores nascer, não fomos nós que inventamos, não escolhemos sofrer influência. Então, é melhor focar no que é tangível.

Meu otimismo aponta para uma minoria (ainda) que escolheu seguir um caminho ético para ascender profissionalmente no futebol, com o futebol e para o futebol. Certamente, nem todos os profissionais que conheci nos últimos anos serão os próximos treinadores da série A, nem todos chegarão a trabalhar nos clubes grandes. Mas isso não deve ser desanimador.

Sabemos que a distância entre os clubes grandes e os clubes pequenos aumenta e segrega a classe de treinadores. Mas são como cérebro e corpo. O cérebro (clubes grandes) está invariavelmente conectado e dependente do corpo (clubes pequenos e médios). Portanto, investir nos clubes menores pode ser a solução para desenvolver o futebol. E, desenvolver um bom trabalho é sempre uma oportunidade de aprendizado, seja qual for a equipe em que trabalha.

Assim sendo, se você não se atentou à mudança e ao perfil dessa geração de valor, que tal mudar a maneira de direcionar a carreira? Por que não dar mais significado e prazer ao trabalho que realiza? Mesmo você estando fora dos clubes ricos e gastões do futebol brasileiro, o que acontece com a maioria dos treinadores dessa nova geração, é possível e é importante que o trabalho seja de excelência. As condições estruturais e a remuneração não são as melhores em clubes menores. Mas é possível fazer valer a pena os conhecimentos adquiridos e transferidos. Segue abaixo algumas reflexões e conselhos com base na observação que fiz de alguns profissionais que estão nessa “onda” de treinadores de valor.

Sucesso

Sucesso não é um conceito universal, portanto, desenvolva projetos com as crianças e jovens e sinta-se feliz com a transformação que está fazendo na vida delas. Você será uma pessoa especial e de sucesso se fizer isso.

Além disso, sucesso não é só revelar jogadores, como muitos treinadores conservadores pensam, e sim conseguir criar um ambiente onde tenhamos planos para os que vão e os que não vão ser jogadores profissionais vendidos por dez milhões de euros, é semear boas ideias de vida para os que sequer vão conseguir jogar em um clube profissional.

Ascensão profissional

Encontre seu papel na vida profissional, seja treinando uma equipe sub11 ou progredindo para patamares do futebol profissional. Para isso é preciso valorizar os profissionais de todas as etapas do processo de desenvolvimento.

O cooperativismo é fundamental para a formação de todos em uma equipe de trabalho. Somos um país em desenvolvimento. Na nossa realidade, não há condição de progresso sem entre ajuda, não há construção de conhecimento sem diálogo e compartilhamento de ideias. Quanto menor for o clube que você trabalha, maior terá de ser sua pró-atividade para colaborar.

Adicionalmente ao pensamento cooperativo, é preciso uma pedagogia da solidariedade: se você for treinador de futebol ou futsal de um clube, da escolinha particular da sua cidade, ou do time do bairro, você tem sua missão, você é especial. Você está contribuindo para o progresso de políticas de desenvolvimento local e territorial. Em diferentes contextos, o foco, o status e a visibilidade mudam, mas a importância e a responsabilidade do seu papel não.

Ainda sobre ascender na carreira profissional, existe um trecho de uma fala do Paulo Freire que gosto muito: “equilibre e harmonize seus interesses pessoais com o bem comum, liberdade com responsabilidade, a diversidade com a unidade, metas de curto prazo com metas de longo prazo, o progresso socioeconômico com o florescimento de sistemas ecológicos”.

Poder

Certamente o poder não é a resposta para preencher o vazio da vida, consegui-lo deve ser, portanto, consequência de uma vida ética e dedicada a uma causa maior, de cooperação, de um pensamento sistêmico, e não de pretensões superficiais voltadas aos desejos do ego.

No entanto, quando estiver com condições de tomar decisões que afetam uma grande parte das pessoas inseridas no seu contexto, lembre-se que o investimento em pessoas traz um significado de mudança sólida, psicossocial. Projetos assim não são perecíveis e causam impacto real no futebol.

Se sentir que ocupa um cargo e tem o poder de influenciar pessoas, seja um agente transformador, inspire mais pessoas. Pois, mudar um ambiente é mudar as pessoas que constroem as ideias. Ou melhor dizendo, é mudar as ideias que as pessoas fazem de si e do conjunto de pessoas do seu ambiente.

Surgiu uma geração que eu sinto, leio, escuto, vejo e admiro, que está formando parte de uma “onda” que vai ganhando corpo e aos poucos vai mudando o perfil do treinador do futebol brasileiro. Todas as considerações feitas aqui não foram reflexões idealistas, mas sim baseadas na experiência/observação que fiz de alguns destes profissionais. Por isso é que vejo com otimismo o que aconteceu até 2017, e tenho esperança no que virá.

Um ótimo 2018 a todos. Um agradecimento especial aos meus colegas treinadores que me inspiram. E um desejo que todos possamos encontrar nosso valor, pautados na pedagogia da solidariedade, cooperação, autonomia e felicidade.

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Fonte: Universidade do Futebol

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